A DEMOCRACIA NA MÃO DOS PATRÕES

No ano 49 A. C., Roma era governada por um triunvirato de generais, entre eles Júlio César, que desafiou uma regra de ouro ao regressar com o seu exercito de uma campanha a norte cruzando diretamente o Rio Rubicão, em vez de o contornar. Terá anunciado esse golpe de estado proferindo a locução latina “Alea Jacta Est” (a sorte está lançada), uma declaração de guerra que marcou o momento definitivo e sem regresso que o levou a derrotar os seus oponentes políticos e a tornar-se imperador de Roma. Desde aí, a expressão “Atravessar o Rubicão” passou a ser utilizada para designar decisões irreversíveis de consequências imprevisíveis e nefastas.

Salvaguardada a distância e significado históricos, também nós assistimos agora a um desses momentos de suspensão da democracia onde são tomadas decisões que alterarão toda a base onde se fundam os direitos de um povo. Os nossos governantes responderam à crise pandémica lançando apressadamente leis ad hoc para garantir a preservação da economia e dos postos de trabalho.

Mas legislar sobre a pressão de determinada conjuntura é um dos maiores perigos que uma democracia pode enfrentar e a declaração de estado de emergência assim o demonstrou, permitindo que a chantagem mediática justificasse medidas de exceção desnecessárias que poderiam ser alcançadas com as leis já existentes.

Numa medida sem exemplo nos países europeus democráticos, o direito à greve foi inibido parcialmente na primeira declaração de estado de emergência e estendido na sua prorrogação. Nesse período, publicaram-se Decretos-Lei avulsos a alterar a legislação laboral e que receberam correções a um ritmo quase diário. Porque a participação de sindicatos e CTs na elaboração dessas leis era obrigatória, legislou-se também o afastamento dessa exigência.

Para assegurar uma pretensa manutenção do emprego, decretaram-se apoios que dispensaram qualquer escrutínio à liquidez ou capacidade de financiamento das empresas e afastaram-se os representantes dos trabalhadores da negociação da modalidade e aplicação do layoff nos locais de trabalho. Administradores anunciam pomposamente cortes nos seus salários milionários e procuram furos na lei que compensem os quadros superiores das perdas de salário não cobertas pelo apoio: uma imoralidade!

Estamos a assistir a uma transferência rápida dos poderes do Estado para os empresários e, em nome da “economia”, todo um unanimismo levanta-se para tudo permitir. Reforçar os poderes dos patrões em tempo de crise apenas alargará o fosso entre ricos e pobres.

Que ninguém tome por certo o regresso ao trabalho após o fim do lay-off nas mesmas condições em que o deixou.

A precariedade e o desemprego vão ser um perigo real. Esta é uma oportunidade de atravessar o Rubicão que os patrões não irão desperdiçar.