Pelas liberdades democráticas, pelos direitos de quem trabalha

Somos homens e mulheres que amam a liberdade e se prezam de respeitar os seus concidadãos, em particular aqueles que vivem, ou já viveram, uma vida inteira do seu trabalho, bem como todos aqueles que, pelas circunstâncias das suas vidas (idade, doença, acidente, desemprego) se encontram em situação particularmente difícil e vulnerável.

 

É precisamente por essa razão que entendemos romper com o silêncio – que uma espécie de unanimismo social tem até aqui vindo a impor – acerca da atual e, mais ainda, da futura situação política, económica e social do País.

 

Na verdade, a coberto do combate sanitário à pandemia da covid 19, o Presidente da República e o Governo – sem uma oposição consequente, ou até com a aprovação dos deputados da esquerda parlamentar – trataram de aprovar, pela primeira vez desde que o regime fascista foi derrubado, o decretamento do estado de emergência.

 

Hoje, até pela substituição deste pela declaração do estado de calamidade, tornou-se evidente que o decretamento do dito estado de emergência era necessário, não para a aprovação e implementação de todas e cada uma das medidas de combate à covid 19, mas sim para a suspensão e supressão de direitos laborais como o direito à greve e de direitos políticos fundamentais como o direito de resistência. E também para a implementação prática de medidas policiais próprias de estados de exceção e de regimes ditatoriais, como as musculadas e totalmente despropositadas e desproporcionadas atuações policiais, as contínuas operações stop e o fornecimento às polícias dos dados pessoais dos cidadãos infectados sem que ninguém controle efetivamente o que depois é feito, e por quem, com tais dados. E, com base na contínua, mesmo quando subtil ou dissimulada, defesa da famigerada tese de que os fins justificariam os meios, assistimos a um processo progressivo, que já conhecemos de outros tempos, com o início da defesa de medidas de discriminação dos velhos ou de obrigatoriedade do uso, nos telemóveis (para já dos contaminados), da aplicação (app) que os governos da UE, os gigantes  possuidores de dados pessoais de milhões de cidadãos como a Apple e a Google e as maiores operadoras de telecomunicações estão a preparar aceleradamente.

 

Os governantes não fizeram qualquer reflexão crítica sobre as decisões políticas que desarticularam e quase destruíram o Serviço Nacional de Saúde, o qual apenas conseguiu responder à pandemia pela dedicação sem limites dos seus profissionais, com os médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares à cabeça. Recusaram-se a conceder-lhes – não obstante toda a desproteção inicial – qualquer subsídio de risco, atrasaram-se a pagar-lhes os miseráveis aumentos salariais da função pública. E, com a ministra da Saúde à cabeça, não deram uma palavra de reconhecimento e conforto, em particular aos infetados na primeira linha de combate!  A ministra ainda assume que pode abrir mais espaço de subcontratação do SNS ao sector privado. É indecente que este sector possa aumentar a sua quota de mercado em plena pandemia e com os impostos de todos os Portugueses.

 

Entretanto, temos já milhares e milhares de despedimentos consumados. Como temos cerca de um milhão e trezentos mil trabalhadores em regime de lay-off (recebendo apenas 70% dos seus magros salários), sendo que uma grande parte deles já não conseguirá regressar ao trabalho, por isso se prevendo que no final do ano o desemprego real possa ultrapassar o milhão, dos quais apenas 1/3 ou até menos poderá receber subsídio de desemprego. Há centenas de milhares de trabalhadores ditos independentes igualmente lançados na miséria, mais de 170 mil dos quais pediram já, em desespero, o apoio social respectivo (no montante máximo de 438 euros mensais). Isto enquanto todas as instituições e redes de apoio social (como a Rede Alimentar de Emergência e a Caritas) denunciam que, já agora, são aos milhares os novos pobres que acorrem a pedir ajuda alimentar de emergência.

Ora, face a esta verdadeira pandemia social que já está em curso e ameaça tornar-se verdadeiramente catastrófica – importando sublinhar que, no início do ano, antes da pandemia, Portugal já tinha 2,2 milhões de pessoas vivendo abaixo do limiar da pobreza ou em privação severa e era o quinto país mais envelhecido do Mundo, com mais de 100.000 velhos encafuados em lares – que medidas é que os nossos governantes tomaram?

 

Há medidas que podem e devem ser tomadas. É preciso combater os abusos, os despedimentos ilegais, a dispensa de trabalhadores para os substituir por outros mais precários e baratos, os abaixamentos de salários etc. Exigimos que o Governo proibida os despedimentos, que proíba o lay-off em empresas com lucros, que prolongue por seis meses todos os contratos a prazo e proíba o corte em qualquer componente da remuneração dos trabalhadores, incluindo prémios e subsídios. Exigimos o alargamento das condições de acesso aos apoios sociais, como por exemplo o subsídio de desemprego. Exigimos que o Governo tabele, como o fizeram outros Governos europeus, os preços dos produtos de primeira necessidade, impedindo deste modo a especulação. Já os equipamentos de proteção individual como máscaras e luvas devem ser distribuídos gratuitamente. Para financiar estas outras medidas, deve ser criado um imposto extraordinário sobre os titulares dos grandes rendimentos (como os bancos e as grandes empresas, como a EDP e a Galp, cuja distribuição de dividendos aos acionistas deve ser revertida e proibida neste momento).

 

Mais do que atacar os direitos de quem trabalha e procurar impedi-los de defender esses direitos; mais que criar um precedente através do estado de emergência, que pode vir a ser usado de novo quando os cidadãos, assim destratados, decidam erguer-se e lutar; mais do que “olear” os mecanismos de vigilância e repressão policiais contra todos os movimentos e ativistas sociais que ousem por em causa a  falsa “paz social”; mais do que tudo isto, são precisas medidas urgentes que apoiem a maioria que menos tem, sem pudor de requisitar, por uma vez, a riqueza da minoria que tudo acumula e pouco contribui.

 

Como diz o poeta, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”

 

Ana Aleixo, médica cardiologista, ex-diretora do Hospital de São Francisco Xavier
Ana Pinheiro Costa, funcionária pública, membro da Missão Pública Organizada
André Pestana, professor, coordenador do STOP
António Garcia Pereira, advogado, professor universitário
António Louçãmembro da Comissão de Trabalhadores da RTP
António Mendes Pedro, psicólogo e psicanalista
Carlos Ordaz, membro da Comissão de Trabalhadores da Groundforce
Egídio Fernandes, dirigente sindical, Técnico de centrais termoeléctricas
Filipa Alves Coelho, funcionária pública, membro da Missão Pública Organizada
Francisco São Bento, presidente do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas
João Pascoal, dirigente do MUDAR Bancários / membro da CT do Banco Santander Totta
João Reis, dirigente do STASA, trabalhador da Volkswagen Autoeuropa
Manuel Afonso, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Centres.
Raquel Varela, historiadora do trabalho, professora universitária
Ricardo Pato, funcionário público, membro da Missão Pública Organizada e militante na Plataforma Antifascista de Lisboa e Vale do Tejo
Santana Castilho, professor do ensino superior